Imposto CBS e IBS na locação de imóveis
Marco Junior

O que o proprietário de imóvel precisa saber

A promulgação da Lei Complementar 214/2025 – decorrente da Emenda Constitucional nº 132/2023 – inaugura uma nova etapa no sistema tributário brasileiro, com efeitos significativos para o setor imobiliário. No âmbito das locações de imóveis, essa reforma altera tanto a forma de incidência tributária quanto o perfil dos contribuintes, trazendo uma série de obrigações que devem ser acompanhadas com atenção. Embora alguns pontos ainda dependam de regulamentação, o momento exige planejamento.


1. O que é a LC 214/2025

1.1 Contexto da reforma do consumo

A LC 214/2025 instituiu, entre outros, os tributos:

  • Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – de competência dos estados e municípios, visando substituir tributos como ICMS e ISS.
  • Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – de competência federal, substituindo tributos como PIS e COFINS.

A lei marca a adoção de um modelo tipo IVA (“imposto sobre valor adicionado”) no Brasil, com abrangência de operações com bens e serviços.

1.2 Principais dispositivos aplicáveis à locação de imóveis

Para o setor imobiliário, os seguintes artigos são especialmente relevantes:

  • O art. 4º da LC define que o IBS e a CBS “incidem sobre operações onerosas com bens ou com serviços”, e que se consideram como tais “locação” e “arrendamento” de bens imóveis.
  • O art. 261, parágrafo único, trata de alíquota reduzida para operações de locação, cessão onerosa e arrendamento de bens imóveis.
  • O art. 251 define quando a pessoa física é considerada contribuinte habitual dessas operações.
  • O art. 487 prevê o regime de transição para contratos anteriores à vigência da lei.

1.3 Regulamentação pendente

Importante frisar que, embora a LC já esteja em vigor, diversos aspectos ainda carecem de regulamentação:

  • Definições sobre “imóveis distintos”, “locações por plataforma digital”, emissão de documentos fiscais e prazos de transição ainda precisam de portarias da Receita Federal do Brasil (RFB).
  • O preenchimento do comitê gestor do IBS/CBS e sua regulamentação operacional ainda está em andamento.
  • Prazos de entrada em vigor distintos para CBS e IBS em alguns casos, e as normativas de apuração ainda podem sofrer ajustes.

Assim, os proprietários de imóveis podem ficar tranquilos quanto à necessidade de imediata adequação radical, mas devem acompanhar de perto o desdobrar da regulamentação.


2. O que muda para a locação de imóveis

2.1 Inclusão da locação na base de cálculo do IBS/CBS

Até então, para muitas locações (especialmente residenciais por pessoa física) não se vislumbrava incidência de tributos como ISS ou similares. Com a LC 214/2025, a locação e arrendamento de bens imóveis passam a integrar o âmbito de operações onerosas tributáveis por IBS e CBS.

Isso implica que a locação que antes era tributada apenas via Imposto de Renda (IR) para pessoas físicas ou via IRPJ/CSLL para jurídicas, agora poderá ter carga tributária adicional de consumo, dependendo do perfil do locador.

2.2 Quem será impactado (pessoas físicas)

Para pessoas físicas, a lei estabelece critérios para que o locador seja considerado contribuinte habitual do IBS/CBS. Dentre os principais:

  • Receita bruta anual superior a R$ 240.000,00 no ano‑calendário anterior.
  • Locação de mais de três imóveis distintos no ano‑calendário anterior.
  • Enquadramento imediato se a receita ultrapassar R$ 288.000,00 durante o ano.

Em resumo: não são todos os proprietários que serão automaticamente atingidos — apenas aqueles cuja atividade locatícia configure habitualidade ou escala relevante.

2.3 Para pessoas jurídicas (incluindo holdings patrimoniais)

Nas empresas que realizam locação de imóveis (em regime de lucro real ou presumido, ou holding familiar que alugue imóveis), a LC 214/2025 prevê que a locação integra o campo de incidência do IBS/CBS, substituindo PIS/COFINS, ISS etc.

Essas empresas terão que adaptar processos: emissão de nota fiscal de serviço eletrônica (NFS‑e) ou documento equivalente, controle de créditos fiscais, apuração e recolhimento dos novos tributos.

2.4 Alíquotas e mecanismo de redução para locações residenciais

Um dos mecanismos que suavizam o impacto:

  • Estimativa de alíquota combinada IBS + CBS na faixa de 26,5% a 28%.
  • O art. 261, parágrafo único, da LC 214/2025 determina redução de 70% nas alíquotas para locações de imóveis.
  • Consequentemente, a alíquota efetiva para muitos contratos residenciais pode ficar em torno de 8%.

Para locações de curta duração (até 90 dias) ou imóveis comerciais, podem aplicar‑se redutores menores ou regimes distintos.

2.5 Regime de transição e contratos celebrados antes da vigência

O art. 487 da LC 214/2025 concede regime transitório para contratos firmados até 16 de janeiro de 2025, com opção por alíquota de 3,65% sobre a receita bruta, desde que atendidos requisitos como reconhecimento de firma, registro em cartório etc.

Esse regime de transição encerra em 31 de dezembro de 2028 ou no prazo original do contrato, o que ocorrer primeiro.

2.6 Momento de incidência, base de cálculo e obrigações acessórias

  • O fato gerador se dará no recebimento da contraprestação pela locação ou arrendamento.
  • A base de cálculo corresponde ao valor da operação, incluindo encargos e juros.
  • Obrigações acessórias: escrituração, emissão de documento fiscal, controle de créditos, prestação de informações à RFB ou ao Comitê gestor.

3. Impactos práticos para proprietários de imóveis

3.1 Cenário para pessoa física

Se o proprietário possui quatro ou mais imóveis alugados e auferiu receita bruta anual superior a R$ 240.000,00, poderá se tornar contribuinte habitual do IBS/CBS.

Consequências:

  • Apuração do IBS/CBS (alíquota estimada em torno de 8% para locações residenciais com redutor);
  • Observação de obrigações acessórias ainda não totalmente definidas;
  • Revisão documental e adequação fiscal.

3.2 Alíquota efetiva estimada

Exemplo:

  • Receita anual: R$ 120.000,00
  • Alíquota cheia: 26,5% → com redutor de 70% = alíquota efetiva de aproximadamente 8% → tributo: R$ 9.600,00/ano.

3.3 Locações de curta duração / temporada

Locações por até 90 dias são equiparadas a serviços de hotelaria e podem sofrer incidência integral do IBS/CBS, sem redutor.

3.4 Reavaliação contratual e contábil

  • Contratos devem ser revistos para prever ajustes em caso de alteração tributária.
  • Holdings familiares devem avaliar adequação ao novo regime.
  • Pode haver repasse ao locatário, desde que acordado contratualmente.

4. Pontos de atenção

4.1 Lacunas regulatórias

  • Interpretação de “imóveis distintos”.
  • Detalhes sobre emissão de nota fiscal, obrigações acessórias e prazos.

4.2 Aumento da carga tributária

  • Proprietários que não tinham incidência de tributos indiretos passarão a recolher CBS/IBS.

4.3 Atuação por plataformas digitais

  • Locações por aplicativos ou plataformas terão exigências fiscais específicas.

5. Conclusão

A LC 214/2025 representa uma transformação na tributação da locação de imóveis no Brasil. O impacto será significativo para quem atua de forma habitual ou com receita elevada. O momento é de planejamento: rever contratos, organizar a documentação, buscar orientação contábil e acompanhar a regulamentação que virá.