Recentes decisões dos tribunais apontam a necessidade de os condomínios revisarem as suas convenções e regimentos internos, que em muitos casos estão em desacordo com a nova realidade social
Ao mesmo tempo em que são obrigados a seguir à risca um leque gigantesco de normas internas, previstas tanto em convenções quanto nos regimentos internos, os condomínios também devem ficar atentos para não contrariar nenhuma determinação da legislação brasileira. Da Constituição Federal às leis municipais, incluindo aqui também as estaduais, há uma série de artigos que dão o tom de como deve ser a convivência entre moradores e administração condominial, estabelecendo direitos, obrigações e restrições.
Mas, passeando entre tantas normas e decretos, é quase impossível não se perder nesse mundo de possibilidades. Por isso, em vigor desde 2002, o Código Civil deve ser a bússola condutora para síndicos e condôminos, orientando o caminho certo a ser seguido. Entretanto, algumas decisões do judiciário podem confrontar a “legislação interna” do condomínio e o que antes era passível de proibição passa a ter um novo entendimento jurídico.
Em um caso recente que ganhou repercussão nacional, uma moradora da região metropolitana de Brasília foi proibida pela convenção do condomínio onde mora de manter o gato de estimação da família em seu apartamento. E o impasse que ultrapassou os muros do edifício foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que garantiu uma decisão favorável à dona do animal, já que as normas internas do prédio não podem proibir a permanência de animais de forma genérica, somente se oferecer riscos concretos à saúde, segurança dos vizinhos ou se provocar muito barulho.
No parecer final, os magistrados destacaram que as restrições previstas nas convenções são passíveis de apreciação pelo poder judiciário sob o aspecto da legalidade e da necessidade do respeito à função social da propriedade, previsto no artigo 5º da Constituição Federal.
Mudança de entendimento
De acordo com a análise do advogado Zulmar Koerich, a decisão favorável só reforça uma tendência que há muito tempo já deveria ter sido incorporada pelos administradores. “O posicionamento fortalece a jurisprudência já existente, em que os gestores não podem mais privar os condôminos do convívio com pets. Se o animal não estiver perturbando o sossego ou gerando risco à segurança e saúde da coletividade, não há motivo para proibi-lo”, avalia. Como dica para os gestores, ele lembra que questões que envolvam impasses em condomínios normalmente passam por mudanças de entendimento com uma grande rapidez, demandando muita atenção e a sua devida atualização.
“O que hoje é considerado legal, amanhã passa a ser ilegal e inclusive combatido. E isso pode trazer prejuízos materiais e descrédito aos próprios instrumentos internos, cuja eficácia passa a ser questionada em sua totalidade por parte dos condôminos. Assim, as atualizações nas regras internas devem ser constantes e profissionais, devendo o condomínio fazer uso de serviços especializados de assessoria jurídica, de forma a trazer segurança nas informações presentes e necessidades de mudanças para o futuro”, comenta Koerich.
Desafios nas atualizações
Mesmo tendo o tratamento de “novo” após 17 anos, o Código Civil ainda não conseguiu conquistar a adesão de muitos condomínios e suas novas orientações não foram empregadas de modelo para a atualização de convenções e regimentos internos. Segundo os especialistas, ainda é muito comum ver entre os itens dos documentos normas como as que estabelecem quórum qualificado para eleição de síndico, a proibição dos não moradores de serem eleitos como síndicos, multa moratória em percentual superior a 2% sobre o valor do débito, ou ainda que permitam o corte de água e de gás de condôminos inadimplentes.
Diante disso, para evitar problemas judiciais futuros, o advogado Gustavo Camacho reforça a necessidade de que todas as convenções sejam atualizadas, prevendo e prevenindo problemas como os já citados. “É fundamental que os síndicos façam periodicamente a readequação das normas internas. Se isso se tornar algo muito oneroso, é importante que ele cesse a prática dos dispositivos que estão em desacordo com a nova realidade. Mas para que o gestor tenha segurança em realizar a suspensão, ele deve pelo menos deixar consignado em assembleia, com chamado exclusivo para tratar do tema e informar aos moradores, que determinados dispositivos do condomínio estão em desacordo com os atuais entendimentos dos Tribunais e não serão mais aplicados. Em uma situação como esta, para legitimar o processo, é muito importante pleitear a adesão de todos os condôminos”, pondera.
Outra possibilidade para resolver os impasses é a alteração apenas do regimento interno, conforme indica Koerich. “A convenção traz uma série de regras que são muito mais rígidas e de difícil alteração. Com isso, para regras programáticas comportamentais o ideal é que sejam acrescentadas no regimento interno, de forma que facilite as mudanças quando necessárias, de acordo com os novos entendimentos do judiciário”, avalia.
Mas, caso haja algum tipo de impedimento que não permita que as mudanças sejam feitas, Koerich defende ainda que o síndico tenha a possibilidade de deixar de aplicar regras regimentais. Tudo isso, desde que esteja atento à legislação vigente, bem como quanto às atuais decisões judiciais, a fim de não ocasionar desarmonia ou caracterizar ato de omissão ou má administração capaz de fundamentar sua destituição.
Imagine que por previsão regimental esteja proibida a ‘locação’ de salão de festas por parte de condômino inadimplente. Entretanto, o gestor está atento a decisões judiciais que já condenaram condomínios à reparação por danos morais por entender ilícita tal previsão e ele opta por não aplicar a restrição. “Existe aqui dois elementos que considero fundamentais para a tomada de decisão: a subjetividade representada pela boa-fé, identificada pela intenção em evitar futuras ações judiciais, e a objetividade, através do conhecimento sobre as decisões judiciais que perfeitamente podem vir a ser aplicadas no seu condomínio”, comenta.
Animais
Em Itapema, a síndica Vanise Marchiori, que há seis anos comanda a administração do Sky Tower Residence, percebeu essa oscilação nas decisões e resolveu se antecipar. O sinal de alerta ligou quando um morador, ao ser notificado por circular com o seu cachorro solto nas áreas comuns, disse que iria buscar seus direitos na justiça. “A partir daí fui atrás para saber como funciona nos condomínios das grandes cidades, quais são as regras aplicadas por eles, e das ações nos Tribunais. Vendo que há jurisprudências favoráveis nesses casos, busquei orientação jurídica sobre transporte e circulação dos animais nas áreas comuns dos edifícios, já que o nosso regimento antigo previa que o dono deveria carregar o animal no colo nas áreas comuns e no elevador social, e chegava até a limitar o porte do pet”, comenta.
A proposta de alteração, que resguarda o condomínio de possíveis ações judiciais, foi colocada em pauta em Assembléia Ordinária e contou com a adesão dos moradores. Agora eles podem circular com os seus bichinhos no chão usando a guia e também retiraram do documento a restrição quanto ao tamanho.
Outras decisões
Além das questões que tratam sobre animais em condomínios, ainda é possível ver impasses no que diz respeito a condôminos inadimplentes, com o corte de água e gás ou a vedação de acesso a áreas comuns, a aplicação de penalidades de multa sem garantia do direito de defesa, e também a proibição de todo e qualquer exercício profissional dentro dos apartamentos.
Para Camacho, estamos na era dos grandes edifícios residenciais e comerciais que teve como reflexo o surgimento de novas relações sociais e jurídicas entre os indivíduos. Hoje, diversas normas condominiais que eram tidas como regulares, se forem submetidas à análise do poder judiciário provavelmente serão consideradas ilegais ou caminham nesse sentido. Por isso, a recomendação do especialista é que os síndicos atualizem as regras internas sempre levando como referência os casos que foram parar na Justiça e os resultados.
“Em situações como a dos inadimplentes, por exemplo, os condomínios em hipótese alguma podem vedar o acesso dos moradores às áreas comuns como academia, playground, salão de festas, piscina, entre outros. Da mesma forma não se pode cortar o gás ou a água das unidades que estiverem em atraso com o pagamento da taxa. E tudo isso porque o Código Civil é bem específico em mencionar que o credor deverá se valer de meios menos vexatórios para a cobrança de suas dívidas, em face dos inadimplentes. O caminho correto é ingressar com as ações de cobrança ou até mesmo de execução de títulos executivos extrajudiciais, podendo em muitos casos levar o imóvel do devedor a leilão”, comenta.
Um bom exemplo de que hábitos ruins devem ser corrigidos nas normas internas do condomínio vem do Centro Executivo Imperatriz que está passando pelo processo de atualização do regimento interno. Após insistentes reclamações do mau cheiro causado pela fumaça de cigarro que se concentrava próximo ao hall de entrada e chegava a subir pelos elevadores, a síndica Fernanda de Paula Albanit Ribeiro achou melhor mudar a cultura local e incluir no documento a legislação que proíbe fumar em espaços públicos e privados de uso coletivo. Além disso, entre outras medidas implementadas pela gestora, que há quatro anos comanda a administração do local, também está a retirada dos cinzeiros do edifício e a separação de uma área na cobertura do prédio, onde foi criado um ‘fumódromo’ para os proprietários e inquilinos das 140 unidades.
Fonte: Portal do Condomínio